sexta-feira, 8 de julho de 2011

Quanto Vale um Sorriso (Luan Silva)




Trabalho num dos bancos com mais fluxo de clientes do Brasil, numa função que querendo todos os meus gerentes, toda agencia e eu ou não sofre uma discriminação hierárquica. Sou o famoso rapaz do “Posso Ajudar” – o que é uma ironia, pois meu nome em rúnico significa que sou aquele que oferta ajuda e ainda mais sou voluntário e presto serviços ao Rotary por meio do Rotaract.
Enfim, minha função real, como está na assinada na minha CTPS, é de recepcionista. Devo recepcionar os clientes no auto-atendimento e direcioná-los para o local onde será devidamente atendido e resolverá o seu problema. Sou o facilitador, o rapaz que auxilia os idosos a retirarem o valor de sua aposentadoria todo o mês e os leigos a resolverem seus problemas sem que tenham de enfrentar a tão amedrontadora fila bancária.
Todavia, com o preconceito com minha classe e um orgulho pressuposto que alguns clientes insistem em estampar na minha cara como um estandarte isso dificulta minha função tremendamente e por conseqüência atrapalha o cliente mais do que ele pensa.
Por exemplo, um dia estava com um cliente quando chegou uma senhora revoltada da vida e se intrometeu no meio do meu atendimento desprezando a presença do atendido e da fila que aguardava-me terminar.
- Quero falar com a gerente! – um pouco grossa e sem nem olhar pra minha cara.
- A senhora pode aguardar na fila que já eu a atenderei?
- Meu filho, sou cliente da agencia há anos e quero falar com minha gerente, não vou ficar em fila alguma.
- Tudo bem, senhora. Vá então falar com a gerente.
Dei-lhe a ficha na frente dos demais clientes que ficaram revoltados comigo e já me xingaram e voltei a concluir o atendimento com o senhor defronte a mim. Ela desapareceu durante uns cinco minutos e depois voltou com o cão nos couros.
- SEU INCOMPETENTE PORQUE NÃO ME AVISOU QUE EU CONSEGUIRIA RESOLVER MEU PROBLEMA AQUI MESMO COM VOCÊ SEU IMBECIL, PALHAÇO, IDIOTA...
(...)
Imaginem você passar por uma dessas diariamente. Sem exceção. Todos os dias da semana; todas as semanas do mês. Duas ou três vezes ao dia, durante 3 anos de sua vida, sem férias por motivos diversos. Há dias em que o estresse é tamanho que fico doente. A imunidade baixa e fico com febre, diarréia, ânsias de vômito, enxaquecas e todas essas crises típicas do estresse primário.
Por vezes já de saco cheio abro mão da paciência e do pacifismo e replico à altura. Sou sarcástico, irônico e por vezes até mais ignorante que o cliente. Que reclama à gerente que compreende mais o meu lado que o dele – mas mascara que não – e por fim eu passo por uma ouvidoria que não dá em quase nada... Só mais estresses.
Esta semana eu estava num dias de cão. Estressado com o idiota que criou a propaganda do Abono Salarial e não explica que aquele triste daquele dinheiro é o valor do PIS que todo trabalhador com mais de cinco anos de carteira assinada, que recebeu em média menos que dois salários mínimos e trabalhou ao menos um mês no ano anterior tem direito de sacar. (Deu pra sentir que não posso errar isso? Que está decorado mais do que a fórmula de Báskara?).
Estava cansado de repetir o último parágrafo a cada cinco minutos para pessoas diferentes que já sabiam do que se tratava o dinheiro, mas tinham esperança que fosse o governo dando mais um benefício para os trabalhadores (NO BRASIL!!! HAHA!! MAIS BENEFÍCIOS PARA TRABALHADORES NO BRASIL!!!). Neste dia eis que me chega um cliente metido, daqueles que por terem uma conta com uns dois zeros a mais que a minha se acham os donos do banco e que eu sou um dos poucos negros que não recebeu alforria.
- Vim sacar o meu abono salarial.
- O senhor já verificou se tem direito pelo “0800” ou com algum funcionário?
- Não, mas eu tenho direito. Me dê logo a ficha do caixa.
Eu apenas consenti e o direcionei para o caixa, tamanha era a impaciência do excelentíssimo cliente e sua sede por míseros R$510,00. Passadas as duas horas mínimas para o atendimento nas agências da Caixa Econômica Federal ele volta pra mim já agressivo. Tanto que foi necessária a aproximação de um dos vigilantes para intimidá-lo.
Fui xingado, minha mãe foi xingada, minha primeira cachorra que morreu há uns 10 anos também foi xingada. Ele reclamou que eu não expliquei a ele direito, que deveria aprender a passar informações corretas, que ele não era nenhum palhaço para ficar esperando duas horas numa fila e quando chegar na hora do seu atendimento não ter direito.
Nesta hora, sabe quando uma coisa aperta seu coração, seu sangue sobe e seus sentidos ficam alarmados? Pois é... Fui tão grosso e impaciente com ele que o cliente que antes me xingava e tentava me amedrontar com as ameaças de “vou ligar para ouvidoria, vou reclamar com um amigo meu superintendente” se transformou num mero mortal com medo da morte.
- O senhor pode reclamar até para a presidenta! Pode falar com Deus e o mundo. Ligue para a ouvidoria, ligue pra o papa, ligue pros infernos. Tentei ajudá-lo mas a sua presunção foi muito maior que a humildade que talvez lhe poupasse da perda do tempo. Fale com meu gerente, ele provavelmente vai ficar sem saber o que dizer, pois nem ele na merda desta agencia domina tão bem o Abono Salarial quanto eu domino. Posso não ser funcionário publico, posso não ter passado ainda na merda do concurso. Mas garanto ao senhor que minha função exige de mim o domínio de todos os produtos e informações que a caixa oferece. Não fico aqui de pé todos os dias da minha vida pra dificultar a vida ou fazer as pessoas perderem o seu tempo numa fila. Não tenho prazer em ver a desgraça dos outros. Alias, tenho, tenho até prazer em ver pessoas como o senhor perderem a cabeça enquanto se fazem de palhaços numa fila  por puro orgulho. Agora se me dá licença tenho uma fila para atender. Não adianta reclamar comigo, vá sentar-se ali no birô da minha gerente, fale para ela tudo o que lhe falei e pergunte-a se em algum ponto eu falei alguma coisa errada. Se ela confirmar um erro meu eu peço demissão na sua frente. Muito obrigado.
O homem me xingou ainda mais é claro e foi tratar de me denunciar com a gerente. Fechei a cara, fiquei bufando de raiva querendo controlar o que estava descontrolado e nem me toquei na paciente senhora que me aguardava lhe atender.
- Boa tarde... – ela falou com uma serenidade incrível que só depois do ápice da raiva eu percebi.
- Boa tarde, senhora. Em que posso ajudá-la?
- Meu filho, eu preciso de uma informação essencial pra salvar o meu dia e o de alguém que está muito necessitado do que esta informação pode fazer..
- Qual a informação que a senhora quer?
- Quanto vale o seu sorriso?
Eu mesmo sem querer esbocei um sorriso e deixei algumas lágrimas caírem e me lavarem da raiva, abaixarem o calor do momento e ganhar um abraço fraterno de uma senhora linda.
Dalí tirei uma lição importante. Um sorriso pode salvar o dia de várias pessoas, e promover este sorriso garante uma amizade soberba e a possibilidade de você ter sido divino por alguns instantes. Pois pra mim aquela senhora não foi nada mais nada menos que uma enviada dos Deuses para trazerem-me de volta à sanidade.

Luan Silva (É o Tesoureiro do nosso clube e Líder da Comissão de Relação Pública)
Postagem Original



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